Fim do Papel-Moeda: Estamos Prontos para a Desmonetização?

Ir para outra seção

Visão Geral

Como você prefere pagar? Você incorporou a revolução digital, com seu smartwatch habilitado para pagamento e sua moeda alternativa? Ou prefere insistir em suas notas e moedas de papel? Essas questões podem parecer banais, mas, à medida que o mundo se torna cada vez mais online, grandes decisões precisam ser tomadas.

Em 2016, o governo da Índia surpreendeu sua população – e seus bancos – ao anunciar que, do dia para a noite, 86% das cédulas em circulação não seriam mais válidas. O movimento foi projetado para ser um ataque surpresa ao mercado negro do país. No entanto, como a Índia é 90% dependente do dinheiro de papel, os dias seguintes foram de ruptura generalizada, escassez e conflitos civis, enquanto os cidadãos faziam fila para depositar e trocar seu dinheiro extinto. Com isso, os índices de ações da Índia caíram 6%.

A desmonetização da Índia é apenas um dos capítulos da ampla história da migração gradual e global para as transações digitais. O Financial Times descreveu o dinheiro como uma “relíquia bárbara”. Os saques em caixas eletrônicos vêm declinando na Austrália em 7,7% ao ano desde 2014. Os consumidores no Quênia e na Tanzânia estão ignorando os bancos tradicionais para fazer suas transações em seus celulares.

Em todo o mundo, as moedas virtuais competem para fornecer às pessoas o que está projetado para ser uma moeda completamente descentralizada. Com base na tecnologia blockchain, essas moedas ficarão fora do sistema financeiro tradicional. Entender por que as pessoas estão procurando parar com a circulação de dinheiro e quais poderiam ser as vantagens e armadilhas só se tornará cada vez mais importante.


Análise

Das moedas de ouro do Rei Croesus e das notas da dinastia Song até o primeiro caixa eletrônico em Londres nos anos 1960 – o dinheiro físico, também conhecido como papel-moeda, está conosco há séculos. Mas à medida que avançamos para o século 21, será que as tecnologias significarão o fim desse relacionamento de longo prazo?

Por Que Nós Queremos a Desmonetização?

“Depois de centenas de anos de papel-moeda e caixas em nossos bancos, prevejo que seremos desmonetizados e digitais nos próximos 30 anos”, afirma John Brosnan, Diretor do Grupo de Serviços Financeiros da Aon.

Por que uma sociedade pode decidir acabar com seu dinheiro vivo? Existem vários motivos:

  • Redução de Custos

Manter o papel-moeda em circulação é caro e são necessários recursos consideráveis ​​para administrá-lo. Nos EUA, por exemplo, US$ 200 bilhões são gastos todos os anos para manter o dinheiro em circulação – em caixas de banco, caixas eletrônicos, cofres, entre outras despesas. Um centavo custa um centavo e meio para ser fabricado.

  • Aumento das Receitas Fiscais

A desmonetização pode aumentar as receitas fiscais, porque as pessoas estão menos aptas a pagar por bens e serviços em dinheiro vivo –  o que é difícil de rastrear e monitorar. O Instituto de Assuntos Econômicos (IEA) estima que 10% da economia do Reino Unido não seja tributada. Em 2013, apenas 1% dos indianos pagaram impostos sobre os rendimentos.

  • Diminuição da Atividade do “Mercado Negro”

Atividades ilegais geralmente são realizadas em dinheiro. Foi com o intuito de combater a atividade econômica ilegal que a Índia iniciou seu programa de desmonetização.

  • Conveniência

É muito mais fácil não ter que carregar muito dinheiro em espécie. Isto é particularmente importante em regiões rurais ou menos desenvolvidas, onde o acesso aos caixas eletrônicos é limitado. O crescimento dos sistemas de pagamento móvel no Quênia fez com que a parcela de pessoas com acesso a serviços bancários no país aumentasse de 42% em 2011 para 75% em 2014.

No entanto, as economias também enfrentam uma série de perigos com a desmonetização:

  • Agitação Social

Tentativas abruptas de desmonetização podem provocar perturbações generalizadas. Na Índia, o dinheiro foi retirado da circulação quase que sem aviso, deixando as pessoas esperando em filas por horas e afetando seriamente a economia nacional e a estabilidade social.

  • Desconexão Financeira

O dinheiro é muitas vezes o modo como muitas economias informais, como as do mundo em desenvolvimento, funcionam. Se os governos tirarem o dinheiro vivo de circulação sem garantir que as alternativas digitais – como o banco móvel ou a aceitação de cartões de crédito – sejam devidamente estabelecidas, eles se arriscarão a deixar sua população em um deserto econômico.

  • Maior Risco de Crimes Cibernéticos

Criar uma economia totalmente digital pode colocar pessoas e organizações em maior risco de crimes cibernéticos. Mesmo em uma escala menor, métodos foram desenvolvidos para roubar digitalmente pessoas que carregam cartões de pagamento sem contato, colocando leitores de cartões contra os bolsos da vítima.

  • Excesso de Transparência

Os cidadãos cumpridores da lei podem se sentir desconfortáveis ​​com a falta de privacidade e segurança implícita por um sistema financeiro totalmente digital – especialmente em uma era em que registros e dados pessoais são regularmente hackeados.

Quão Perto Estamos De Nos Tornar Desmonetizados?

Os pagamentos Europay, MasterCard e Visa (EMV ou “Chip e PIN”) têm sido padrão na Europa desde o início dos anos 2000 – permitindo o pagamento rápido e fácil de bens e serviços por cartão de crédito ou débito. Os pagamentos com cartão sem contato estão se tornando cada vez mais populares e devem movimentar mais de US$ 17 bilhões em transações em 2021, contra US$ 6,7 bilhões em 2016.

Alguns países estão fazendo progressos particularmente grandes. Há cerca de 1.600 agências espalhadas pela Suécia, mas apenas 700 delas ainda recebem cheques ou dinheiro. “De acordo com o banco central da Suécia – o Riksbank – as transações em dinheiro representaram apenas 2% do valor de todos os pagamentos domésticos em 2016 e devem reduzir ainda mais para 0,5% até 2020”, afirma Brosnan. “Nas lojas, o dinheiro agora é usado em apenas 20% das transações, metade do valor de cinco anos atrás. A circulação da coroa sueca (SEK) caiu de cerca de 106 bilhões de coroas suecas em 2009 para 80 bilhões de coroas suecas em 2016”.

Algumas das soluções desmonetizadas mais inovadoras estão surgindo nas economias em desenvolvimento. Na África, onde a infraestrutura física do sistema bancário é muitas vezes inadequada para as necessidades das populações rurais, o banco móvel é a regra. A M-Pesa, uma plataforma de serviços bancários móveis, lançada pela Vodafone em 2007, agora é usada por dois terços da população adulta do Quênia (17 milhões de pessoas) e está se espalhando rapidamente por toda a região. O sistema facilitou seis bilhões de transações em 2016 – processando cerca de 529 por segundo.

Os Desafios da Retirada de Dinheiro

Algumas nações podem estar prestes a se tornarem desmonetizadas – mas ainda não chegaram lá. O último passo definitivo para a desmonetização precisa de mais do que algumas mudanças superficiais. A Índia demonstrou os efeitos disruptivos de curto prazo da desmonetização. E mesmo que a administração de políticas seja bem gerenciada, ainda restam desafios consideráveis de segurança, como os ataques cibernéticos.

Mesmo as criptomoedas, incluindo o bitcoin, desenvolvidas com segurança em mente, estão sujeitas a desafios – como mudanças regulatórias ou até mesmo a concorrência entre as normas. O Bitcoin dividiu-se em duas disputas sobre se os algoritmos que sustentam seu código razão blockchain devem ser alterados.

Há também tendências contrárias. As estatísticas sugerem que a maior parte do mundo ainda não está à beira de uma revolução de desmonetização. A quantidade de papel-moeda em circulação nos EUA cresceu 42% entre 2007 e 2012. E o Reino Unido continua instalando novos caixas eletrônicos – já são mais de 70.000 em todo o país.

Há também mais obstáculos humanos, como nossas atitudes. Por exemplo, vários estudos descobriram que o cérebro humano considera e valoriza o papel-moeda de maneira diferente do que o dinheiro eletrônico. Temos um apego emocional mensurável às nossas contas e moedas de papel, o que pode dificultar a entrega delas.

O Futuro do Dinheiro

Como será uma sociedade desmonetizada? Será construída em torno de um sistema bancário móvel nos moldes da África? Ou será bancário e sem dinheiro vivo, como preveem os elementos mais radicais dentro da comunidade blockchain?

À medida que a tecnologia digital se espalha pelo sistema financeiro, o dinheiro em papel continuará a enfrentar uma concorrência crescente quando se trata de como as pessoas escolhem fazer uma transação. “Com o aumento do investimento em empresas FinTech e o surgimento de soluções de pagamento digital, como o PayPal”, afirma Brosnan, “a tendência para uma sociedade desmonetizada provavelmente continuará”.

Conforme as pessoas recebem mais opções de como pagar, é possível que elas, em vez de seus governos, sejam as únicas a decidir o futuro desmonetizado, ou se preferirem, manter um pouco de dinheiro no bolso.

*Este artigo foi adaptado do inglês